quarta-feira, 25 de julho de 2012

Compreendo, logo, posso admirar mais

Fonte: SocialMente
Autor: André Rabelo
Quem nunca ouviu, depois de dar uma explicação científica sobre algo na natureza para alguém, um comentário como “ah, mas assim você está tirando a magia da coisa, seu chato!” É como se, para muitas pessoas, a contemplação desinformada fosse um pressuposto para que possa haver prazer na admiração de algo. Sem o mistério, parece que nada restaria para eliciar o prazer. Neste texto, eu tentarei compartilhar um pouco do porque eu acho que a compreensão de algo na natureza pode, pelo contrário, torná-la mais bonita, já que pode nos oferecer uma dimensão da grandeza ainda maior que há naquilo que estamos olhando.
Um ótimo exemplo do que estou falando é o pássaro na imagem acima – o famoso beija-flor. Quem nunca  perdeu alguns segundos admirado ao observar como este pássaro se move de maneira tão habilidosa, precisa e rápida? Se você nunca fez isso, eu recomendo que faça, é realmente absurdo. Ele consegue ficar numa posição quase estática no ar diante de uma flor, enquanto estica a sua língua para alcançar o néctar no interior das flores.
Por sinal, o beija-flor é a única ave capaz de permanecer nesta posição estática no ar e também a única que consegue se movimentar em marcha-ré no ar. É impressionante constatar que a estrutura óssea e muscular de um beijo-flor seja tão bem adaptada para permitir este tipo tão específico e único de habilidades. Além disso, existem mais de 300 espécies de beija-flor, e o bico delas varia consideravelmente entre as espécies, a depender do tipo de flor em seu ambiente que serve como base de alimentação. Isso é muito curioso para refletir: como pode ser que, além da estrutura óssea e muscular, o bico de um beija-flor esteja tão bem adaptado para o tipo de flor mais comum naquele ambiente?
Sabemos hoje que esta variedade de formatos pode ser adequadamente explicada pelo processo de seleção natural, ou seja, ao longo de várias gerações de beija-flores em um determinado ambiente, aqueles que tinham bicos mais longos, por exemplo, conseguiam se alimentar de flores mais longas, e se em um determinado ambiente houvessem flores muito longas, beija-flores com bicos menores poderiam ter dificuldade para se alimentar e teriam menos chance de sobreviver e se reproduzir em relação a beija-flores com o bico maior.

Porque conhecer esta explicação diminuiria em qualquer nível a nossa admiração pelo beija-flor? Eu não consigo entender, já que, para mim, ela só engrandece ainda mais aquilo que estou observando. Não é apenas algo bonito e admirável, mas agora também é algo grandioso, complexo e improvável. Se você gosta do mistério, eu faço uma sugestão: um dia, tente pensar sobre isso enquanto observa um beija-flor e veja o quanto a sua compreensão “estraga” a magia e beleza da sua movimentação.
Minha suspeita é que você poderá se tornar ainda mais perplexo ao se defrontar com a complexidade da natureza e com como seus processos são tão poderosos ao ponto de resultar em algo tão único, complexo e improvável quanto um beija-flor – um passarinho bonitinho, capaz de ficar praticamente imóvel no ar diante de uma flor, enquanto suas asas batem cerca de 70 vezes por segundo para conseguir sustentar-se nessa posição. Se você não acha isso surpreendente, pegue um relógio e, a cada segundo que passar, imagine que se um beija-flor estivesse ao seu lado, as asas dele teriam batido cerca de 70 vezes enquanto ele “flutua” no ar, e mais setenta vezes depois de outro segundo passar. Como algo assim pode ter se desenvolvido naturalmente a partir de organismos ancestrais muito mais simples?
Quando o tema da explicação são os seres humanos, algo central na psicologia, a situação pode ser ainda mais complicada. Gostamos de cultivar mistérios acerca de nós mesmos e das relações que estabelecemos com os outros. Mas eu acredito que, aqui, novamente, talvez não precisemos de mistérios para aproveitar e valorizar as nossas experiências, apenas as veremos a partir de uma outra perspectiva, talvez ainda mais encantadora, como eu acredito.
A percepção humana, por exemplo, pode se tornar ainda mais impressionante quando conhecemos um pouco mais de como ela funciona. As ilusões visuais são um ótimo exemplo para isso. Na imagem abaixo, temos um exemplar da ilusão de Ebbinghaus-Titchner. Qual das bolas laranjas é a maior? A maioria das pessoas acha que a bola laranja da direita é maior que a bola laranja da esquerda. Se você tampar as bolas azuis ao redor delas, vai perceber que elas são exatamente do mesmo tamanho. Esta ilusão ocorre por conta do efeito de contraste produzido pelo contexto visual envolta destas bolas laranjas (neste caso, estamos falando das bolas azuis). Tais dicas visuais de contexto oferecem informações contrastantes (do lado esquerdo, as bolas azuis grandes contrastam com a bola menor no centro, dando a percepção de que ela é ainda menor, e o oposto ocorre com a bola laranja à direita) que, ao serem processadas, nos levam a uma percepção subjetiva distorcida, já que, objetivamente, as bolas são do mesmo tamanho.
É incrível que, apesar de toda a sofisticação do nosso cérebro, uma simples configuração visual diferente seja capaz de nos induzir a uma percepção ilusória, mas o que é realmente surpreendente é que, mesmo entendendo que esta é uma ilusão e o mecanismo pelo qual a ilusão ocorre, não conseguimos sumir com a ilusão quando a olhamos novamente. Neste caso, a compreensão não some com a percepção subjetiva, mas nos dá, por outro lado, mais uma razão para permanecermos perplexos e inquietos diante de como o cérebro funciona. Afinal, porque será que o cérebro humano é tão suscetível a este tipo de manipulação?
Da mesma maneira, mesmo que sejamos informados acerca dos mecanismos neurais, cognitivos, fisiológicos e evolutivos subjacentes às nossas emoções, por exemplo, elas provavelmente permanecerão tão poderosas sobre nós quanto antes – sejam elas prazerosas ou não. Podemos, por outro lado, ao melhor compreender estes fenômenos, ficarmos ainda mais admirados por estarmos vivendo em um momento específico de um universo onde coisas tão fantásticas e improváveis quanto beija-flores, cérebros e emoções possam surgir e funcionar de uma determinada maneira que seja, em algum grau, compreensível para nós mesmos. Até aqui pelo menos, tentar compreender a natureza só nos trouxe mais razões ainda para admirá-la e respeitá-la.
Sobre todo este assunto discutido aqui, recomendo uma palestra de Robin Ince no TED, discutindo a suposta oposição que muitos identificam entre a ciência e a admiração (veja aqui e selecione a legenda em português, que já está disponível). Em última instância, o assombro que alguém pode sentir pela natureza depende de sua sensibilidade à este tipo de experiência, não da falta de conhecimento sobre como aquilo está ali e funciona. O conhecimento pode, na realidade, aguçar ainda mais esta sensibilidade. Teste isso por si mesmo!

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