Autor: André Rabelo
Quem nunca ouviu, depois de dar uma
explicação científica sobre algo na natureza para alguém, um comentário
como “ah, mas assim você está tirando a magia da coisa, seu
chato!” É como se, para muitas pessoas, a contemplação desinformada
fosse um pressuposto para que possa haver prazer na admiração de algo.
Sem o mistério, parece que nada restaria para eliciar o prazer. Neste
texto, eu tentarei compartilhar um pouco do porque eu acho que a
compreensão de algo na natureza pode, pelo contrário, torná-la mais
bonita, já que pode nos oferecer uma dimensão da grandeza ainda maior
que há naquilo que estamos olhando.
Um
ótimo exemplo do que estou falando é o pássaro na imagem acima – o
famoso beija-flor. Quem nunca perdeu alguns segundos admirado ao
observar como este pássaro se move de maneira tão habilidosa, precisa e
rápida? Se você nunca fez isso, eu recomendo que faça, é realmente
absurdo. Ele consegue ficar numa posição quase estática no ar diante de
uma flor, enquanto estica a sua língua para alcançar o néctar no
interior das flores.
Por sinal, o beija-flor é a única ave capaz de permanecer nesta posição estática no ar e também a única que consegue se movimentar em marcha-ré no
ar. É impressionante constatar que a estrutura óssea e muscular de um
beijo-flor seja tão bem adaptada para permitir este tipo tão específico e
único de habilidades. Além disso, existem mais de 300 espécies de
beija-flor, e o bico delas varia consideravelmente entre as espécies, a
depender do tipo de flor em seu ambiente que serve como base de
alimentação. Isso é muito curioso para refletir: como pode ser que, além
da estrutura óssea e muscular, o bico de um beija-flor esteja tão bem
adaptado para o tipo de flor mais comum naquele ambiente?
Sabemos
hoje que esta variedade de formatos pode ser adequadamente explicada
pelo processo de seleção natural, ou seja, ao longo de várias gerações
de beija-flores em um determinado ambiente, aqueles que tinham bicos
mais longos, por exemplo, conseguiam se alimentar de flores mais longas,
e se em um determinado ambiente houvessem flores muito longas,
beija-flores com bicos menores poderiam ter dificuldade para se
alimentar e teriam menos chance de sobreviver e se reproduzir em relação a beija-flores com o bico maior.
Porque conhecer esta explicação
diminuiria em qualquer nível a nossa admiração pelo beija-flor? Eu não
consigo entender, já que, para mim, ela só engrandece ainda mais aquilo
que estou observando. Não é apenas algo bonito e admirável, mas agora
também é algo grandioso, complexo e improvável. Se você gosta do
mistério, eu faço uma sugestão: um dia, tente pensar sobre isso enquanto
observa um beija-flor e veja o quanto a sua compreensão “estraga” a
magia e beleza da sua movimentação.
Minha
suspeita é que você poderá se tornar ainda mais perplexo ao se
defrontar com a complexidade da natureza e com como seus processos são
tão poderosos ao ponto de resultar em algo tão único, complexo e
improvável quanto um beija-flor – um passarinho bonitinho, capaz de
ficar praticamente imóvel no ar diante de uma flor, enquanto suas asas
batem cerca de 70 vezes por segundo para conseguir sustentar-se nessa posição. Se você não acha isso surpreendente, pegue um relógio e, a cada
segundo que passar, imagine que se um beija-flor estivesse ao seu lado,
as asas dele teriam batido cerca de 70 vezes enquanto ele “flutua” no
ar, e mais setenta vezes depois de outro segundo passar. Como algo assim
pode ter se desenvolvido naturalmente a partir de organismos ancestrais
muito mais simples?
Quando o tema da
explicação são os seres humanos, algo central na psicologia, a situação
pode ser ainda mais complicada. Gostamos de cultivar mistérios acerca de
nós mesmos e das relações que estabelecemos com os outros. Mas eu
acredito que, aqui, novamente, talvez não precisemos de mistérios para
aproveitar e valorizar as nossas experiências, apenas as veremos a
partir de uma outra perspectiva, talvez ainda mais encantadora, como eu
acredito.
A percepção humana, por
exemplo, pode se tornar ainda mais impressionante quando conhecemos um
pouco mais de como ela funciona. As ilusões visuais são um ótimo exemplo
para isso. Na imagem abaixo, temos um exemplar da ilusão de
Ebbinghaus-Titchner. Qual das bolas laranjas é a maior? A maioria das
pessoas acha que a bola laranja da direita é maior que a bola laranja da
esquerda. Se você tampar as bolas azuis ao redor delas, vai perceber
que elas são exatamente do mesmo tamanho. Esta ilusão ocorre por conta
do efeito de contraste produzido pelo contexto visual envolta destas
bolas laranjas (neste caso, estamos falando das bolas azuis). Tais dicas
visuais de contexto oferecem informações contrastantes (do lado
esquerdo, as bolas azuis grandes contrastam com a bola menor no centro,
dando a percepção de que ela é ainda menor, e o oposto ocorre com a bola
laranja à direita) que, ao serem processadas, nos levam a uma percepção
subjetiva distorcida, já que, objetivamente, as bolas são do mesmo
tamanho.
É incrível que, apesar de
toda a sofisticação do nosso cérebro, uma simples configuração visual
diferente seja capaz de nos induzir a uma percepção ilusória, mas o que é
realmente surpreendente é que, mesmo entendendo que esta é uma ilusão e
o mecanismo pelo qual a ilusão ocorre, não conseguimos sumir com a
ilusão quando a olhamos novamente. Neste caso, a compreensão não some
com a percepção subjetiva, mas nos dá, por outro lado, mais uma razão
para permanecermos perplexos e inquietos diante de como o cérebro
funciona. Afinal, porque será que o cérebro humano é tão suscetível a
este tipo de manipulação?
Da mesma maneira, mesmo que sejamos
informados acerca dos mecanismos neurais, cognitivos, fisiológicos e
evolutivos subjacentes às nossas emoções, por exemplo, elas
provavelmente permanecerão tão poderosas sobre nós quanto antes – sejam
elas prazerosas ou não. Podemos, por outro lado, ao melhor compreender
estes fenômenos, ficarmos ainda mais admirados por estarmos vivendo em
um momento específico de um universo onde coisas tão fantásticas e
improváveis quanto beija-flores, cérebros e emoções possam surgir e
funcionar de uma determinada maneira que seja, em algum grau,
compreensível para nós mesmos. Até aqui pelo menos, tentar compreender a
natureza só nos trouxe mais razões ainda para admirá-la e respeitá-la.
Sobre
todo este assunto discutido aqui, recomendo uma palestra de Robin Ince
no TED, discutindo a suposta oposição que muitos identificam entre a
ciência e a admiração (veja aqui e
selecione a legenda em português, que já está disponível). Em última
instância, o assombro que alguém pode sentir pela natureza depende de
sua sensibilidade à este tipo de experiência, não da falta de
conhecimento sobre como aquilo está ali e funciona. O conhecimento pode,
na realidade, aguçar ainda mais esta sensibilidade. Teste isso por si
mesmo!
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